09.06.2013

Estatuto do Nascituro: Absurdo dos Absurdos

Eu relutei um tantinho em escrever esse post porque sei que é um tema polêmico, que gera reações “apaixonadas”. Contudo, como ele toca em um ponto que diz respeito a todas nós, e como é um assunto que foi, em parte, tema da minha monografia, que eu conheço o suficiente pra opinar, resolvi fazer o post.

Em resumo, está tramitando um projeto de lei  que é uma verdadeira aberração, que viola diretamente, dentre outras coisas,  a dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso Estado de Direito, valor máxime no sentido de balizar qualquer ingerência a outros direitos fundamentais.

estatuto do nascituro

O Estatuto do Nascituro pretende, dentre outras coisas, criminalizar o abortamento inclusive nos casos em que ele é permitido por lei. Sim, caso a sua vida esteja em risco, você será obrigada  a manter a gestação. Sim, em casos de anencefalia, onde sequer deveria se falar em aborto, mas sim em antecipação terapêutica do parto, você será obrigada a levar a “gestação” adiante. Sim, caso você seja estuprada (Deus nos livre), será obrigada pelo Estado a ter o filho. Não só isso… O “pai” pagará pensão e, caso a mãe não possua meios de cuidar do filho, o Estado arcará com as despesas, numa espécie de, como bem disse o Casal Sem Vergonha, “bolsa estupro”.

Não, eu não sou a favor do aborto, e nenhuma mulher em sã consciência é, e isso precisa ficar claro. Mas entendo que cabe à mulher – e apenas a ela –  decidir, à sociedade respeitar e ao Direito garantir.

Contudo, é fato que o  Estatuto do Nascituro trata, de maneira rasa e lamentável,  a problemática do aborto sob a ótica do feto, nunca da gestante. Em nenhum momento se cogita os direitos da mesma. Ou seja, a proteção ao nascituro parece ter o condão de excluir por completo a proteção aos direitos da gestante.

Quando veda o abortamento em casos de estupro, o que pretende essa lei é tão somente promover uma agressão bárbara à autonomia, dignidade, integridade física e psíquica, e a saúde da mulher.

estatuto do nascituro

A mulher que, porventura, decida prosseguir com a gestação, está agindo de acordo com os seus princípios e deve ser respeitada, entretanto, não se pode impor essa decisão coativamente. A obrigação de carregar no ventre o fruto de um crime é uma violência psíquica do estado contra a mulher, é constrangê-la a um sofrimento que ninguém tem o direito de impor-lhe.

Dizer-se criminosa a conduta da gestante que, na hipótese em tela, põe fim ao seu sofrimento emocional é exigir o inexigível, e um sistema jurídico que exige o inexigível carece de legitimidade.

Quando a discussão gira em torno da delimitação do âmbito de proteção jurídica à vida humana, as diferentes ideologias se digladiam para preconizar suas verdades. Entretanto, para compreender o debate sobre o aborto, é preciso partir de alguns parâmetros  (jurídicos, não religiosos) a fim de evitar discussões infrutíferas, afinal, em parte, o dissenso deste caso parte de paradigmas inconciliáveis.

Assim, têm-se que  os direitos reprodutivos integram os direitos humanos, e que o direito ao próprio corpo precisa ser respeitado, e, na medida em que o Estado nega proteção aos direitos reprodutivos, incluindo, em sentido amplo, o direito ao abortamento seguro, contribui para a morte de milhares de mulheres que ele deveria proteger, porque não adianta criminalizar, é preciso educar.

estatuto do nascituro

O grande entrave  ao abortamento seguro é, infelizmente, puramente religioso, contudo, cabe salientar que o Estado brasileiro é laico, e este é um fato de suma importância, pois a partir do momento em que não se reconhecer o caráter de laicidade do Estado, perder-se-á o sentido da democracia.

É preciso ter em mente que o abortamento é questão de saúde pública, de liberdades e responsabilidades individuais, e não de moralismo e fundamentalismo religioso, não podendo o direito se converter na voz exclusiva da moral religiosa.

Os que se autodenominam  defensores morais da vida, por vias tortuosas de raciocínio, partem do pressuposto básico de que a solução para essa realidade atroz encontra-se na proibição absoluta de qualquer procedimento que venha a macular a vida humana, sem atentar para o fato de que a criminalização da conduta pode sim melhorar a proteção à vida do feto no mundo dos conceitos jurídicos, mas não na realidade social. Não sabem eles que, em virtude da sua intolerância, são responsáveis, ainda que indiretamente, pelas mortes – dos fetos e das mulheres- que tanto combatem.

estatuto do nascituro

Não existe consenso sobre o que seja a vida, bem como suas reais dimensões. É certo, porém, que a vida, como bem jurídico máximo do sistema constitucional, há que ser preservada. Entretanto, o direito penal, devido ao seu caráter notadamente fragmentário, não outorga proteção absoluta a nenhum bem jurídico. É dizer, não existem direitos absolutos, e o direito a vida não pode ser interpretado como se absoluto fosse, vez que nenhum direito o é.

Assim, partindo da premissa de que o direito à vida não é ilimitado, deve-se analisá-lo sob uma perspectiva valorativa, dado que é inegável possuir a tutela da vida humana graus variados. É preciso que se atente para a dignidade da gestante e para todos os direitos que ela, como pessoa humana, possui, porque, afinal, qual a finalidade de se conferir a uma pessoa o direito à vida, estando ausente a dignidade,  a liberdade, a autonomia, a integridade física, a integridade psíquica e a saúde? Nenhum!

Concordar com um absurdo desses é concordar com a “coisificação” da mulher, e isso é  terrorismo, é o absurdo dos absurdos

Beijos

Ju

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22 comentários
  1. Elivania Santana  09/06/2013 - 17h42

    Bem, cada caso é um caso e em casos de fetos anencefálos penso que deva ser analisado o risco que a mulher corre, e somente após a analise interromper ou não a gravidez.
    Nos casos de estupro sabe se que é imensurável o sofrimento de uma mulher ao enfrentar uma gravidez assim, mas acho injusto matar o feto sendo que essa mulher pode ter acompanhamento psicológico para levar adiante a sua triste gravidez, em fim esse assunto vai gerar polêmicas como todos que tramitam no congresso.Essa é minha posição.

  2. Daphne KM  10/06/2013 - 09h02

    Cada dia mais sua fã!!!!! Sei que não apareço muito no blog, pois geralemnte leio pelo email e não tenho muito tempo de escrever… mas tive que vir aqui dizer que concordo com tudo que você disse… o corpo é meu, a decisão é minha, eu acredito no que quiser. Querem “prender” nossos pensamentos, como se já não fossemos presas de outras mil maneiras. ABSURDO!

  3. Daphne KM  10/06/2013 - 09h05

    Por que não nos deixar escolher? Se a mulher acha errado, por motivos religiosos ou qualquer outro, interromper a gravidez, ela que leve adiante (com todo o suporte disponível e necessário). Se ela não quer, por que não a deixar tomar as escolhas que serão melhor para ela? É absurdo e extremamente egoísta quererem tomar essa decisão pela mulher. Lutamos tanto pelo voto e continuamos sem voz!

  4. Karen  10/06/2013 - 12h59

    Realmente é lastimável. Eu tive a oportunidade de ler o ‘Estatuto’ por completo e é só absurdos! O próprio Conselho de Medicina defende, em determinados casos, abortos até a 12ª semana de vida (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1249869-medicos-defendem-abortos-ate-a-12-semana-de-gestacao.shtml).

    • Ju Lopes  10/06/2013 - 13h29

      Pois é flor… É que até a 12ª semana não há sistema nervoso… Mas, é o Brasil né? E as pessoas não se mobilizam..Triste!

  5. Valéria  10/06/2013 - 14h06

    Detestável essa lei que obriga nós mulheres a gerar a um filho que é fruto de uma violência terrível, sou a favor do aborto seguro para todas as mulheres pois quem melhor que nós para decidir se devemos ou não levar uma grávidez adiante.

  6. Andréa D'amico  10/06/2013 - 17h40

    Ju vc sabe né!!! Fan de olho fechado!!!!! AMOOOOOOOOOOO

  7. Ana Carolina  11/06/2013 - 15h02

    Ai Ju é nojento pensar que não podemos tirar um feto que foi fruto de violência sexual, esse Brasil dá nojo, vergonha de viver aqui, não temos mais livre arbítrio nessa parte, nós mulheres não respondemos mais pelo nosso útero, agora ele é de quem inventou essa lei. [shyy] [shyy]

    Beijo Ju!

  8. Ana Carolina  11/06/2013 - 15h02

    Ai Ju é nojento pensar que não podemos tirar um feto que foi fruto de violência sexual, esse Brasil dá nojo, vergonha de viver aqui, não temos mais livre arbítrio nessa parte, nós mulheres não respondemos mais pelo nosso útero, agora ele é de quem inventou essa lei. [shyy]

    Beijo Ju!

  9. Bruna  11/06/2013 - 15h40

    Obrigada pelo post esclarecedor, Ju!!!! Por essas e outras, dá até medo de viver no Brasil, com tanta gente incompetente criando leis que não pensam nem um pouco na saúde física e mental da mulher, assim como suas condições de vida. Mais uma vez, o sistema volta ao tempo e se torna machista ao ponto de praticamente dizer; “que se dane que sofreu uma violência, conviva com isso, toma aqui um dinheirinho e fica quietinha”. Não há lei nenhuma que proteja a mulher, e as poucas que existem estão sendo extintas. A mulher deve sim ter o direito de escolher o que fazer com o seu corpo, principalmente em um caso de violência, quando só os danos psicológicos já serão irreparáveis. Duvido que se fosse com a filha de um desses políticos ela levaria essa gravidez adiante. Será que não existe lugar para que possamos protestar contra este projeto????

    • Ju Lopes  14/06/2013 - 11h51

      Oi Bru!
      Muito complicado isso, um retrocesso, e pior que muita mulher defende…Existe sim, vou colocar aqui o abaixo-assinado!

  10. Daniela  19/06/2013 - 00h41

    Ótimo post Ju! Parabéns

  11. Priscila Maximiano  19/06/2013 - 09h26

    Bom dia!
    Sou contra o aborto quando, agora prender uma pessoa por interromper uma gravidez fruto de um abuso ou de um feto q vai nascer só pra morrer, me deixa indignada.
    Quem criou essa lei não pensou não menina de 12 anos que foi estuprada pelo proprio pai e engravidou dele.

    • Ju Lopes  19/06/2013 - 09h37

      Pois é Pri… Não pensa no risco de vida para mulher em casa de gravidez tubar, de gravidez molar, de gravidez anencéfala… Não pensa que a mulher, caso o estuprador registre e pague pensão (a lei propõe isso) vai ter que conviver o resto da vida com o cara que a violentou, que a criança terá um pai estuprador… E se esse pai for pedófilo?
      Só pode sair da cabeça de gente pequena!

  12. Iris  19/06/2013 - 10h44

    Jú, concordo plenamente com vc. Nós vivemos numa sociedade tão machista, que infelizemtente, não temos direito a tomar decisões em relação a nossa própria vida, que dirá, ao nosso corpo. Esses imbecis não entendem que forçar a mulher a ter um filho, concebido num ato de violência, não é apenas ruim para a mulher como para o bebê? Como essa mulher que passou por essa violência vai poder amar um ser que vai lembrar a ela o resto da vida o momento doloroso que passou? Eu acho que num momento desse, ao invés de deixar acontencer a gestação, logo em seguida ao ato horrendo, poderiam dá a mulher a pílular do dia seguinte, onde o feto ainda não está em formação, e na minha opinião, não haveria aborto… Nós mulheres precisamos nos unir e nos fazermos ouvir por essas pessoas tão insensíveis… E como medida, que eu tenho certeza que me achar violenta ou maluca, eu acho mesmo que deveria castrar todo homem que forçasse a mulher a ter relações… Tenho certeza que acabaria com a onda de estupros…

  13. Cristiane  05/03/2014 - 14h31

    Olá….Estou pensando em fazer minha monografia sobre esse tema Estatuto do Nascituro…..Queria saber se pode disponibilizar a que vc fez ou se encontro em algum site ja publicada…..para fins de estudo…
    desde já agradeço

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