Essa é a primeira vez que sento aqui e não sei o que escrever. Aliás, desde ontem eu mal consigo falar. É que tem dores que são tão profundas que parece que todo o resto desaparece…
Mas o que falar quando a gente “perde” um Pai? Não, eu tô falando errado, eu não perdi meu pai, porque ele não deixou de ser meu pai por não estar mais desse lado do caminho…Só estamos em lados diferentes agora, só.
Já tinha algum tempo que a gente não se falava, não por mágoa ou nada do tipo, a gente só não se procurava, não existia uma relação, mas existia, eu sei, amor… Na verdade, a gente nunca se falou muito, mesmo quando ele estava por perto, mas esse era o jeito dele, assim como é o meu.
Mas quando a gente recebe um telefonema, num dia qualquer, avisando que aquela pessoa que a gente chama de Pai está muito doente, qualquer distância passa a ser pequena e tudo muda. Muda porque a gente acha que como a pessoa está distante, como ela sempre foi distante, o desespero não vai bater, mas bate. Muda porque a gente toma consciência de que essa história de tempo não existe, e um segundo depois pode ser tarde demais.
Pra mim, ainda bem, não foi, e eu pude falar com ele todos os dias enquanto ele esteve consciente. Não falar de coisas amenas, mas falar tudo o que estava aqui, guardadinho no meu coração: que mesmo distante, eu amava ele, que sabia que ele teria feito tudo diferente se pudesse, que ele era uma pessoa boa, que merecia as melhores coisas e que toda a luz do mundo estava cuidando dele.
Nesse dia a voz dele tava tão forte, forte como ele sempre foi, e estava alegre também, e a última frase que ouvi foi “obrigado pelos presentes”… Mas, um dia depois disso ele simplesmente piorou, teve quadros de confusão mental e quando falava comigo era só balbuciando o “apelido” pelo qual ele me chamava quando eu era criança.
Depois disso, eu pedi aos céus todos os dias pra que não o deixasse sofrer, porque nada é tão dilacerante como assistir a dor de quem a gente ama e não ter o que fazer, porque sim, chega um momento em que não há o que fazer, e eu já assisti a esse filme de terror antes com minha avó que, veja só, também morreu de câncer.
E ontem, num domingo de chuva, meu Pai passou pro outro lado, e isso dói, dói tanto… Dói de um jeito que nunca imaginei que fosse possível. Dói que chega a faltar ar…É a dor do “nunca mais”, sabe? Nunca mais vou ouvir sua voz, sua risada, suas mãos enormes, seu olho verdinho… Nunca, nunca mais você estará aqui, é verdade, mas nunca você deixará de existir dentro do meu coração…
Mas eu prefiro essa dor, e preferiria uma imensamente maior, se é que existe, do que a dor de te ver sofrer mais, e por isso sou imensamente grata à Existência por ter te levado antes que o sofrimento se tornasse insuportável.
E sei, com absoluta certeza, que esse mesmo Deus que te levou no colo e evitou mais dor, também está te amparando com toda luz possível, e sei que todos os anjos estão agora ao seu lado enquanto você descansa, e que daqui a pouco você vai acordar pra um mundo de luz e amor, porque a morte não é nada, é só uma parte, ainda desconhecida pra nós, de um caminho que todos estamos trilhando.
E fica tranquilo, Pai, o fio não foi cortado, e jamais será, porque o amor é um fio que nunca se apaga, que nunca se acaba… E eu amo você. ♥